“SOU MÉDIUM MUSICAL”
por Jairo Máximo

Itamar Assumpção em São Paulo / Foto: Lailson Santos
Francisco José Itamar de Assumpção* (Tietê, São Paulo, Brasil, 1949) Músico. Também é cantor, letrista, arranjador, ator e médium. Não tem partido político e é filho de pai de santo. Não abre mão de sua linguagem musical única. Adora o futebol. Nesta entrevista exclusiva, concedida em São Paulo, afirma: “Na cadeia eu fiz o melhor concerto da minha vida para um ouvinte anônimo, na base de modinhas caipiras”.
Dados precisos dele
Com onze anos sua família foi morar em Araponga, interior do Paraná, onde se revelou um pia fissurado & militante de teatro e futebol. Paralelamente gostava de música e tocava um violão maneiro. Mas um belo dia, em Londrina foi preso por engano, acusado de ter roubado um gravador. Na verdade, um lapso policial fatal, pois o gravador era do amigo contista Domingos Pellegrini e custou a Itamar cinco anos de “cana” dura: sem arrego & perdão. Já imaginaram a barra? Mas a figura tirou de letra. Depois veio para Sampa consciente de seus desejos e possibilidades artísticas. Aqui constituiu família e radicalizou sua trajetória profissional. Seu primeiro disco foi Beleléu, Leléu, Eu (1980), o segundo As próprias Custas S/A (1981) e o terceiro Sampa Midnight -isso não vai ficar assi
m (1983). Acaba de lançar pela o seu quarto disco de autor: Intercontinental! Quem Diria! Era Só o Que Faltava!!!
Revelação precisa
Na cadeia eu fiz o melhor concerto da minha vida para um ouvinte anônimo, na base de modinhas caipiras. Foi ali que percebi minha função musical. Vou assumir que sou artista e tudo bem, porque se o piloto do avião não assumir que ele é piloto, fico louco e falo mal.
Paulo Leminski interpreta Itamar I
“Venho acompanhando o processo criativo musical brasileiro como consumidor e também um pouco como produtor a mais de 10 anos. Quanto a minha sensibilidade, desde a Tropicália, desde o surgimento de Caetano/Gil, Chico/Milton, nos final dos anos 60, até esta virada do final dos anos 80 e começo dos anos 90, acho o trabalho de Itamar Assumpção à coisa mais importante que aconteceu na MPB, tanto a nível musical quanto poético. Itamar para mim tem um processo exemplar, porque vindo de três LPs independentes, agora ele é gravado por uma gravadora comercial, mas o percurso dele é um percurso claro, nítido, sem concessões e, sobretudo sem sobressaltos de mudanças de registro. É um processo com uma lógica interna, uma dinâmica interna extraordinária e de uma força poética musical que agora vai chegar àquela viabilidade comercial de ser gravado pela Continental e eu gosto muito. Uma imagem me parece que acompanha o percurso de Itamar, que é para mim a imagem da criminalidade ligada à marginalidade. Crime no sentido de violação da norma, porque o trabalho de Itamar é violador, tanto a nível poético quanto a nível musical. Então, aí seria um ideograma complexo da criminalidade. Agora vamos fazer um trocadilho com o nome dele: Assumpção de assumir. Assumpção da criminalidade poética no sentido da inovação, no sentido de rompimento das normas, com uma coisa de criminalidade associada inclusive à negritude que Itamar Assumpção superiormente representa em nível de Brasil. Então me parece que esta coerência em torno da ideia da invenção é o fio condutor da obra de Itamar, aquele que produz o crime musical, o crime poético, da invenção da mais alta criatividade, do rompimento dos padrões e da violação de todas as normas. Esta é a imagem que eu tenho do Ita”.
Quer saber
Quando eu tinha nove anos queria tocar violão. Com 15 anos efetivamente eu estava começando a tocar. São 23 anos tocando e eu não sei ainda tocar.
Minha música tem um universo próprio.
Às vezes faço 10 arranjos para a mesma música.
Eu curto o universo, as plantas, as orquídeas…
Não quero falar de política, quero falar do meu trabalho porque já está uma confusão danada.
Foi meu pai que falou de maconha pela primeira vez. Eu tinha 15 anos e levei um choque.
Eu resolvi só fazer música e mostrar meu trabalho agora, não quando tiver 70 anos. Isso o Cartola fez e a Clementina também…
Música é uma coisa que ninguém sabe como é porque é som.
A minha música é minha música. Não há escola.
Música eu levo a sério.
Eu trago a novidade. O que eu faço então? Eu canto. Porque o Gil, o Caetano cantam… se eu não cantar o que eu estou fazendo?
O Gil me pediu uma música recentemente. Agora eu sou compositor.
Quando eu trabalho com Arrigo Barnabé é uma terceira coisa. É uma coisa de vida.
Agora o Arrigo está aprendendo fazer música popular como eu também.
A beleza de São Paulo está na sua barra.
A gravadora veio e se não viesse eu iria continuar o meu trabalho.
O ter é consequência do ser.
Eu me deparei com a grandeza da MPB não foi frequentando nenhuma escola, coisa assim: curso, sonho… Foi ouvindo Ismael Silva, Cartola, Roberto Carlos e por aí afora.
Todo técnico de estúdio tem que ser músico. Eles são uma extensão da música.
A música que faço tem que ver com a minha cara. Reflete alguma coisa que aconteceu.
Meu disco é cada um diferente do outro. Vou sempre fazendo diferente até onde der. Acho que Miles Davis é isso. O mundo rola dando cabeçada, mas me parece que tem um fiozinho da moeda que independe de todo esse caos. A música tem essa linguagem.
Chegando junto
Quando eu cheguei a São Paulo, cheguei com um violão e umas músicas assim, assim… Eu já era compositor, mas não queria colocar isto ao público porque eu percebi que era uma coisa aquém do que estes artistas que você tem aí, muitos compositores de MPB -Djavan, Milton, Caetano, Gil, Tom Jobim, etc. Então eu não queria fazer “musiquinhas”, meu negócio não era esse. Eu gostava de cantar e tinha uma coisa com o cantar que era diferente do que eu ouvi dizer. Então daí eu peguei item por item: composição/compositor e passei a ver que eu precisava de algo mais. Eu tinha só um violão e tocava. Aí eu peguei um contrabaixo e aprendi a me virar mesmo com ele. Aí um piano, uma bateria… Aí eu entrei no processo de desenvolver meu ouvido, ele não era desenvolvido. Foi isso que eu descobri, todo este universo.
Cuidando do gogo
Parei de fumar de um dia para outro. Não tomo gelado. Você tem que ter um clima com a garganta… Já bebi muito. Vigê Maria… rodando está terra aqui doido. Quê? Documento aí! Vigê Maria… Cadê? Entra aí caramba e tal. É… a coisa é assim; né? E hoje quando o Leminski fala da criminalidade/marginalidade, não é isso, é que sempre eu estive exposto a isso. Sempre morei na Penha, andei de ônibus. Não tenho carro. Então é uma coisa que realmente faz parte do meu dia a dia.
Apareceu o Itamar
No festival da extinta TV-Tupi, nos anos 70, participei com a música Sabor de Veneno onde eu ganhei melhor arranjo e a Vânia Pinheiro ganhou como melhor intérprete. Foi à primeira coisa que me colocou no cenário musical. Foi ali -naquele momento- onde a gente rompeu com o que então se ouvia, onde tinha a Tetê Spindola, Vânia Bastos e Regina Porto nos vocais. Porque quando estávamos apresentando a música eu perguntava: sabor de quê? As meninas respondiam: tutti-frutti. Sabor de quê? O público: hortelã. Até que um dia o público disse: sabor de merda. Aí eu vi que estava chegando aonde eu queria. Aí foi aquele bafafá porque sabe como é que é festival: é aquela coisa, a gente já sabe quem vai ganhar… Ninguém ouvia nada porque 30 mil pessoas gritando, a Orquestra atravessou, o maestro Arruda Paz… Bom, para nós a resposta foi ótima.
Caindo de boca na música
Aprendi a fazer disco com o Rogério Duprat. Faço música independente porque aprendi e ele me deu uma oportunidade. Ele disse que ia demorar muito para poder gravar um disco por aí. Isso veio de encontro com a ideia de que um disco tenha que ter um produtor. Então todo este universo caótico em termos de você poder criar uma linguagem nova eu tinha botado para baixo. Ou fazia música deste jeito ou senão não ia sair nada. Assim como tinha feito com
o futebol. Entrei na música para valer, porque depois de Caetano, Gil, João Gilberto, como é que dá para chegar e falar: Eu faço música. Tenho um “somzinho” aqui novo… A gente se respeita por causa da democracia, mas sem a criatividade não rola nada.
Pra quem não sabe
Um disco é completamente diferente de um show ao vivo. Isso também aprendi porque fiz muito teatro e o palco não tinha nenhuma novidade, mas o microfone sim. O microfone foi uma coisa de pegar e ver como se carrega isto nas mãos.
De suspeito a clean
Os caras me paravam na rua e pediam documento. Se eu não tinha ia preso. Não fiquei pedindo verba isto e aquilo. O Estado eu pago. Pago os impostos, pago o aluguel, tenho as minhas filhas na escola. Batalho para segurar a onda, não fico reclamando. Eu sou artista para os meus botões. O segredo é esse para mim. Uma relação pessoal com a arte. Faço meu trabalho assim. Esse negócio de agora não dá entrevista… Dou as entrevista que quiser, quantas forem possíveis como ser humano. Só porque agora é uma coisa que está em evidência eu vou ter que dar 800 entrevistas por dia para ser bom com todo mundo. Mas e aí? Como é que eu faço música? Como é que desenvolvo meu trabalho? Isto é uma armadilha que eu não vou entrar.
Cantoras massas
Temos Elizeth Cardoso, Gal Costa, Naná Caymmi… é tão loucamente este universo que a gente se dá ao luxo de dizer: eu gosto de fulana, não gosto daquilo, o que é isso? Entende? Todos eles acusam e pronto acabou. Como hoje temos o privilégio de escolher, então pode se dizer: gosto disto e não gosto daquilo, etc. Na verdade o que rola é uma coisa só.
Compositor entendido
Um dia a Naná Caymmi chegou e falou assim para mim. “Não canto suas músicas porque sou intérprete de outra coisa”. Aí eu entendi que tinha que fazer uma música para ela e não ela cantar as minhas músicas, é claro! Aí entra o quesito compositor. Uma hora faço uma música para a Naná.
Vendo política
Ao mesmo tempo em que não existe nenhuma possibilidade para o ser humano; existem todas. E esta é a barra. Já que é assim vou fazendo o meu trabalho.
Equívocos raciais
Agora eu acho que assim: eu tô aqui no Brasil, com esta coisa de escravidão e tal, então de repente neste momento que faz 100 anos de Abolição e a capacidade desta raça está claro. Embora tenha dificuldades socialmente dizendo. Então, acho que esta parte do mundo, o Brasil, não é igual japonês, que é japonês aqui. Minhas filhas são mestiças, quer dizer, é uma coisa. Claro que há aquela coisa de preconceito, mas o Brasil é uma coisa. Rola muito… Então esta coisa de pele nasceu aqui. É uma questão de lugar, essa possibilidade de ter estas informações. Não sei, sabe? Vou partir para o genético agora? Dizer que… não vejo as coisas assim. O Pelé foi tão importante quanto Santos-Dumont. Acho isso: ambos daqui. Essa coisa transcende a cor da pele. É aquela coisa: Cartola, Clementina de Jesus e eu. Coisa de cor! O negro é isso, aquilo ou é… porque na rua a Polícia já me falou: você é preto na rua e assim é ladrão. Aí eu olhei para ele e falei: que loucura, gente… Como é que uma pessoa pode ficar tão exposta assim? Claro que o ser humano não está com nada porque se fosse legal não teria polícia, não existiria polícia. Mas eu me coloco aí: em nenhum dos dois lados. A minha marginalidade que se falou e tal é no sentido carregar esta cor. Se cada um tem uma cruz para carregar que é ser humano, eu tenho a minha, e não vou ficar reclamando. Quem é que não tem? Mas eu acho que o mais importante nesta coisa de abolição que está acontecendo neste momento, eu espero que o Gilberto Gil se torne prefeito. É complicado, é dificílimo, mas é importante porque isso é a novidade. Isso é fazer política. É um político que todo mundo sabe qual é a dele e de onde ele tira a grana e tal. De repente é um negro. No Brasil está faltando coisas assim. Já faz 100 anos que a Lei Áurea foi assinada, concretamente no dia 13 de maio de 1888.
Leminski completa Ita
“O importante sobre a plataforma do Gil é que ele está dando ênfase cultural para a coisa, partindo do pressuposto que as soluções dos outros problemas decorrerão desta postura. Ele mudou o estilo do jogo. Coisa que em Salvador faz toda uma diferença porque lá se trata de uma população negra que tem uma cultura afro-brasileira integral, inteira. Tem substância. Essa experiência do Gil pode ser uma das coisas revolucionárias que nós vamos ver nesta virada do século”.

Leminski no Pícaro, nº 17, ano IV, julho/agosto de 1988
Colocando a história nos eixos
Eu só queria acrescentar um dado sobre este papo de negritude, que é muito importante nesse ano em que se comemora 100 anos desta fajuta abolição, que na realidade foi o desemprego de toda uma raça que construiu este país e que de repente foi atirada bruscamente no desemprego, subemprego e na marginalidade. Tanto que a consciência hoje -lúcida- comemora na realidade o Quilombo dos Palmares Zumbi, em outubro, que é o dia da consciência negra, que não coincide com esse desemprego em massa que é a Lei Áurea da princesa Isabel. Mas um dado antropológico, que até uns antropólogos de direita como Gilberto Freyre, teve que admitir em certo momento, que entre as três raças que constituíram o Brasil, basicamente, sem querer fazer nenhum tipo de “flaxflu”, entre os portugueses, índios e negros existem inúmeros aspectos nas quais essas três raças o elemento sob vários aspectos superior é realmente o negro. Inclusive culturalmente, porque os negros atravessaram o Atlântico trazido nos navios negreiros aqui para a América e para o Brasil, eles representavam, vocês não imaginam, eram tipo os índios do Xingu. Os negros tinham Império na África, o Império Mãe, por exemplo, da língua Orubá. Hoje usamos inúmeras palavras portuguesas, desde axé, até os nomes dos Orixás. Até a palavra Orixá, Iemanjá, que eram verdadeiros impérios na África. com uma estrutura poética complexa, uma economia complexa, com uma agricultura complexa, e até mesmo com a alfabetização. Escreviam em árabe, em alguns desses lugares os negros eram árabes islâmicos e atravessaram escravizados o Atlântico trazendo o Corão traduzidos em linguagem Ioruba, com escrita árabe, e que eram comprados aqui no Brasil pelos Manoéis, Joaquins… que eram analfabetos: portugueses analfabetos.

Itamar Assumpção durante a entrevista / Foto: Lailson Santos
Na área tecnológica isto também se verificava. Os negros, por exemplo, na África tinham uma longa tradição de mineração quando os bandeirantes e portugueses penetravam no Sertão, por exemplo, eles carregavam consigo escravos africanos de tribos que eram especialistas em identificação de jazidas de minério, quer dizer, os negros eram levados escravizados e conduzidos em bandeiras para serem como portadores de um “novo”, de uma tecnologia mineralógica superior aos dos portugueses, que os Fernões Dias, os Raposos Tavares, que os estavam conduzindo. Então é preciso que conte este dado, por exemplo, digamos que o estoque humano de negros que vieram para o Brasil era de alta categoria, não apenas fisicamente, porque já foram trazidos porque eram espécies físicas -tanto homens quanto mulheres- superior em inúmeros aspectos. Mas eles davam mostra desta sua sobrevivência nas agruras da travessia de um oceano dentro de um navio negreiro e aqui no Brasil o duro trabalho agrícola, que o índio não fazia e não sabia fazer. O índio era uma coisa entre a capivara e o boia-fria em nível mental e intelectual, quer dizer, o negro realmente era o elemento superior. Então é necessário resgatar toda a grandeza, inclusive cultural e física da presença do negro aqui no Brasil. O negro no Brasil é inferior porque é socialmente inferiorizado.
Diferença entre disco independente e comercial
A única diferença é que agora assinei contrato com uma gravadora, onde meu trabalho, que todo já sabe como é que é, vai ser negociado, vai ser divulgado, não vai ser como um disco independente que você não sabe onde tem que ir para comprar. Se tiver um marcado de 50 mil pessoas que compram o disco, já é muito sucesso para mim. Não mereço tanto. Acho demais da conta porque além de ter uma preocupação artística vende. A banda é a mesma que me acompanha há cinco anos: Isca de Polícia. Neste disco pude convidar a Tetê Spindola, a Alzira e a Neusa Pinheiro. Não pretendo ser sucesso com este disco e nem é o disco da minha vida, é o meu quarto disco, mas o primeiro por uma gravadora comercial feito em estúdio de 24 canais, onde os recursos são outros.
Arte em pauta
Fui convidado para fazer o filme Anjo da Noite, de Wilson Barros, e País dos Tenentes, de João B
atista de Andrade, mas como eu estava enfiado de música até aqui, eu não pude aceitar. Ou fazia cinema/teatro ou parava com a música. Mas quero fazer uma peça com a Miriam Muniz, é um projeto. Viajo bastante…
Traduzindo para o mundo
Quando estou indo para fora, não vou cantar uma traduçãozinha, vou cantar minhas músicas com uma poesia equivalente. Quem pode fazer isso? Um poeta tradutor que conhece, que é artista e é um compositor. O Leminski não fala isso, mas estou interpretando neste disco uma música dele que se chama Santa Maria. Estou tranquilo quanto à possibilidade de cantar em alemão, inglês…
Pondo pingo nos is
Sou filho de pai de santo. Para você ser pai de santo tem que fazer a cabeça e eu fiz a minha cabeça. Meu pai chegava numa cidade e abria um terreiro. Uma das entidades dele como médium que dava consulta era Zé Pilantra -uma entidade tida como de esquerda. Zé Pilantra -malandro- ele não é Exu no sentido de tranca rua, é um malandro, não é bandido que mata, ele apenas vive numa boa. É tida como uma entidade de esquerda dentro da pomba gira.
Agora entenda
Não sou médium, não virei médium, mas todas as noites eu recebo espírito nos palcos. Todo dia é música de cima em baixo, quer dizer, faço qualquer coisa para a música. Sou o cavalo da música. Sou médium musical, não estou sendo teórico, sou filho de Kariscã, nasci em um terreiro e tenho uma mediunidade.

Itamar lendo o Pícaro / Foto: Lailson Santos
Paulo Leminski interpreta Itamar II
“O pós-tudo é tudo. Não existem hoje espaços para movimentos fechados como foi à Bossa nova. A própria atomização da sociedade brasileira provoca uma atomização da produção artística brasileira, porque mais de 70% da população brasileira é urbana, ou suburbana. O campo no Brasil hoje não passa de uma sociedade, uma memória. O planeta vai acabar se transformando numa grande cidade. Nós estamos vivendo num mundo de íntimos desconhecidos, esse íntimo desconhecido -o mundo urbano- é um mundo atomizado, quer dizer, somos condenados. Nós estamos num processo de urbanização e esse é um processo de individualização extrema. Estamos reduzidos a sermos nós mesmos. Então, no plano artístico, não há mais lugar para movimentos e sim só há lugares para pessoas, experiências altamente singulares, como é a experiência de Itamar Assumpção.
O que você pensa disto Pícaro?”. ●
N. do A. – Participou nesta entrevista Paulo Leminski, poeta, jornalista e tradutor.
● Esta entrevista faz parte do projeto do livro A Tumba Aberta e foi publicada no jornal Pícaro de Mogi das Cruzes em julho de 1988.
*Itamar Assumpção morreu em junho de 2003 em São Paulo, Brasil.


Itamar Assumpção no jornal Pícaro em julho de 1988