«Ser torcedor de um time de futebol é uma paixão juvenil que dura a vida toda” (Pasolini)

Por Jairo Máximo

Mogi das Cruzes, São Paulo, Brasil – (Blog do Pícaro) – Minha admiração ao cineasta, escritor e poeta italiano Pier Paolo Pasolini vem de longe. Quando ganhei de presente a edição espanhola do livro El fútbol según Pasolini (Altamarea Ediciones, 2022), do jornalista esportivo italiano Valerio Curcio, com tradução de Ernesto C. Gardiner e prólogo de Toni Padilla, lembrei do impacto que o longa-metragem do cineasta O Evangelho segundo São Mateus (1964) me proporcionou quando eu era adolescente nos idos dos anos setenta. Naquela época eu não gostava do denominado “ópio do povo”. Mas como escreveu o escritor e poeta português Luís Vaz de Camões (1524-1580): “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, meu tardio interesse e gosto pelo esporte rei surgiram na primeira década do século XXI depois da leitura do magnífico livro A guerra do futebol (1978), do repórter, escritor, historiador e poeta polonês Ryszard Kapuscinski (1932-2007). Atualmente, não tenho uma louca paixão pelo futebol, mas respeito e entendo os que têm.

Gol de placa literário. No prólogo de O futebol segundo Pasolini, Toni Padilla escreve: “Não, não se trata de um livro sobre futebol. Trata-se de um poeta que compreendeu melhor que outros que este esporte não deixa de ser uma linguagem com a qual se pode falar com todos. Com ele é possível criar pontes. Além disso, também é uma forma de expressão popular. Para Pasolini, o futebol era uma linguagem que permitia as pessoas que não tem voz explicar seus sentimentos, sacar de dentro a raiva ou poder lançar gritos de alegria, quando sua vida era bastante difícil. (…) Pasolini sempre escandalizou as elites. Era católico convicto, no entanto, os bispos o consideravam um demônio já que era comunista. Era comunista, no entanto, escandalizava os dirigentes do partido já que era homossexual. Era intelectual, no entanto, assustava seus amigos intelectuais já que era apaixonado pelo futebol. Aos jogadores do seu amado Bologna também escandalizou quando em um programa de TV lhe perguntaram sobre sexo naquela Itália que publicamente fingia ser puritana, porém por trás não deixava de ser a mesma Itália de Decameron, de Giovanni Boccaccio, que Pasolini transformou em um gostoso longa-metragem em 1971. (…) O livro de Valerio Curcio é uma homenagem necessária a Pasolini. (…) Muitos intelectuais deram as costas ao futebol, encerrados em suas torres de vaidade e esnobismo. O poeta, jamais. Por causa disso, falar de futebol é pasoliniano. (…) Este livro é uma homenagem preciosa, um gesto de amor, um ato de rebelião que reivindica a Pasolini numa época negra em que muitas das ideias que ele defendia são criticadas. (…) Não existe nada mais pasoliniano que amar o futebol.”

O futebol segundo Pasolini é uma atrativa obra apta para todos os públicos, em particular para os amantes do futebol e admiradores do cineasta e poeta. Revela através de entrevistas, fragmentos literários, testemunhos diretos e diversas relíquias fotográficas, a profunda relação sentimental entre Pasolini e o futebol. Estruturada em cinco capítulos -O torcedor, O futebolista, O narrador, O cronista, O intelectual-, a obra também traz uma conversa com a intelectual italiana Dacia Maraini, um ensaio publicado por Pasolini titulado “O futebol “é” linguagem com seus poetas e seus prosadores”, além de reproduzir duas entrevistas realizadas com Pasolini, sendo que uma delas é a última entrevista que ele concedeu pouco antes de ser assassinado em 1975.

Criador controverso. Gay, cristão e marxista, Pier Paolo Pasolini (Bolonia, 1922- Ostia, 1975), foi um intelectual profundamente crítico da sociedade de consumo, tornando-se uma figura central da vida cultural na Itália dos anos 1950 aos 1970. Torcia pelo Bolonha e foi um notável ponta-esquerda. Durante sua vida, sempre intercalou suas dois paixões, o futebol e o cinema. Dizem que jogava futebol quase todos os dias de sua vida. Quando ia rodar seus longas-metragens, independente do lugar e país que ia filmar era comum que terminasse se misturando com os adolescentes do lugar ao redor de uma bola de futebol e quatro pedras simulando uma trave. Em sua época de professor de colégio organizava partidas de futebol entre os aprovados e reprovados. Além disso, foi o fundador de um clube de futebol que sonhava com a ideia de financiar-se a base de atividades culturais e entretenimento.

Eis aqui três fragmentos da obra O futebol segundo Pasolini:

  • “Pasolini caminhava para frente com a cabeça girada para trás. Perseguia um si mesmo menino que se perdia. Quando jogava o futebol, aquele menino incorporava na bola: quando terminava de jogar, voltava a ser o adulto inquieto e sofrido no qual tinha se convertido”, (Conversa com Dacia Maraini, amiga íntima de Pasolini).
  • “Quem são os melhores “dribladores” do mundo e os melhores goleadores? Os brasileiros. Assim sendo, o seu futebol é um futebol de poesia: de fato, ele todo está baseado no dribbling e no gol”, (Pasolini, no ensaio “O futebol “é”uma linguagem com seus poetas e seus prosadores).
  • “Pasolini se movimentou bem em uma variedade incrível de formas, gêneros e linguagens culturais. Não é por casualidade que Tulio De Mauro o descreveu como “o primeiro artista de nível internacional que pode se definir multimídia”, (Valerio Curcio, no capítulo titulado “O cronista”).

*Analogia ao movimento Cinema Novo que nos anos 1960 reinventou a forma de documentar o Brasil embalado pelo clássico mote “Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça”. ● 

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