Resultado de imagen de capa do livro O Sol na cabeça

Por Jairo Máximo

Madri, Espanha – (Blog do Pícaro) – Recentemente caiu na minha mão¹ através de uma mão amiga um exemplar do badalado livro de contos O sol na cabeça, de Geovani Martins, com esta informação: “A crítica fala bem do moço”.

O carioca Geovani Martins chegou ao mercado editorial apadrinhado por diferentes pesos pesados da cultura brasileira.

“Uma nova língua brasileira chega à literatura com força inédita.” −João Moreira Salles. “Pequeno grande livro, emoção do início ao fim, bagulho do bom.” −Nelson Motta. “O livro mais importante da literatura recente.” −Marcelo Rubens Paiva. “Fiquei chapado.” −Chico Buarque.

Só faltou a moçada descolada ²  cantar: Upa neguinho na estrada / Upa pra lá e pra cá / Vixi, que coisa mais linda³.

Favela, Rio de Janeiro, 2010 / Foto: José Manuel Ballester

Linguajar regionalista. A leitura dos 13 contos de O sol na cabeça resgatou da minha memória dormida as gírias que a minha geração utilizava nos anos setenta e oitenta e que hoje muitas estão em desuso.

Passa o baseado. Dar uma bola. Dançou. Não acredito. Sujou. Careta. Vamos que vamos. Chapou… Resumindo: zero literário.

Iniciada a leitura de O sol na cabeça constata-se que estamos diante de uma cotidiana narrativa autobiográfica repleta de gírias regionalistas, aleatórias contrações verbais e uma profusão de erros de português. Leitores catarinenses, mineiros, baianos, paraenses e outros brasileiros terão que decifrar o particular linguajar dos personagens cariocas. O livro está escrito para as pessoas do pedaço compreenderem sem problema. Traduzi-lo para gringo ler tem que contar com um glossário imponente.

Vale lembrar que, entre conto e conto, aparecem reflexões filosóficas e poéticas que saem do nada. “É tudo muito próximo e muito distante. E, quanto mais crescemos, maiores se tornam os muros” (Espiral). “Quando é noite de macumba, tudo ganha mistério: o barulho do bambuzal, as águas correndo, as sombras, as vozes, o eco de todas as coisas” (O mistério da vila).  “O sol forte espalha o cheiro de tudo, do esgoto, do lixo e da morte” (Travessia).

No divulgado conto Rolézim, o autor relata a história de um grupo de adolescentes pobres −negros e brancos− que descem do morro e vão à praia pegar uma onda⁷, ver as minas⁸ e fumar um baseado⁹. Durante o trajeto recreativo −da favela para o mar ou vice-versa−, são acossados pela Polícia, por causa do “arrastão” que alguns deles realizam nas praias da moda da cidade maravilhosa.

Extrato de Rolézim. “Mas a onda máxima foi quando nós tava já saindo da água: os playboy que fez miserinha de seda tavam tirando foto, pagando de divo no bagulho. Quando foram ver, não viram nada. Dois menó passou voado e levaram as mochila com tudo dentro. Depois se enfiaram no meio da praia lotada. Os play ficou de bucha, com o celular na mão, panguando. Aí passou mais um menó e levou o celular também. Achei foi bem feito pra deixar de ser otário. Eu e os menó rimo pra caralho da cara deles. Os comédia meteu o pé, levando só a canga. Depois fiquei pensando nos menózim que saíram no pinote. Os menó era tudo rataria, mas o rasta já tinha dado o papo que a praia tava lombrada. Fiquei torcendo pra eles não cair na mão dos verme, tá ligado?”.

O mérito de Geovani Martins com a obra O sol na cabeça (editora Companhia das Letras) é colocar na roda −literalmente−a brutal e infame realidade que afeta a milhares de pessoas que vivem nas favelas do Rio de Janeiro. A pobreza, a violência e a discriminação racial, sem dissimulação, são o pão nosso de cada dia desta gente. Nestas circunstâncias não faltam argumentos artísticos para diferentes disciplinas artísticas.

Moço; continue escrevendo. Por enquanto muita fumaça e pouco barato.

Foto Geovani Martins

Homem-letra. Geovani Martins nasceu em 1991, em Bangu, no Rio de Janeiro. Com 17 anos abandonou o colégio. Trabalhou como “homem-placa”, atendente de lanchonete, garçom em bufê infantil e barraca de praia. O sol na cabeça é o seu primeiro livro de contos, vendido para oito países. Aqui na Espanha foi publicado pela editora Alfaguara. Atualmente é colunista do jornal O Globo. ●

Glossário picareta

  1. Caiu na minha mão: ter entre mãos algo que se encontra, compra ou recebe de presente.
  2. Moçada descolada: grupo de pessoas que encontra soluções fáceis para os problemas cotidianos.
  3. Upa neguinho: clássico da MPB. Autoria de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) e Edu Lobo, magistralmente interpretado por Elis Regina (1945-1982).
  4. A memória dormida: filme espanhol dirigido por Benito Zambrano. Adaptação do romance da escritora Dulce Chacón (1954-2003), que deu voz àqueles que perderam a guerra civil espanhola (1936-1939).
  5. Do pedaço: ser de um lugar determinado.
  6. Gringo: estrangeiro.
  7. Pegar uma onda: surfar ou tomar um banho de mar.
  8. Ver as minas: situar-se num lugar para ver as meninas passarem.
  9. Baseado: cigarro de maconha.

    OLYMPUS DIGITAL CAMERA
    Plantação caseira de maconha encontrada em Madri. / Foto: Arquivo Blog do Pícaro