
Por Jairo Máximo
Madri, Espanha – (Blog do Pícaro) – Logo após terminar os estudos universitários, no início dos anos 60, o estadunidense Robert Royal decidiu viajar para a Espanha à procura de trabalho de ator porque as ruas de seu país estavam quase como «em estado de guerra» e os estúdios cinematográficos espanhóis em estado de graça. No entanto, em terras ibéricas ele teve mais êxito como fotojornalista, do que como ator de spaghetti western.
Passo a passo documentou a agonia do franquismo e o processo de transição espanhol. Publicou suas reportagens nas revistas People e Time Magazine e no diário New York Times… Seus instantâneos podem ser contemplados em diversos museus e coleções privadas do mundo.
Recentemente exibiu em Madri, no Centro Internacional de Imprensa, a exposição Robert Royal. Fotografias espanholas. 1967-2014, que reúne 40 instantâneos que versam sobre política, moda, arquitetura e cultura.
«Cada foto desta exposição tem uma história que vivi», revela Robert Royal.
Na mostra encontramos fotos do ditador Francisco Franco; dos políticos Leopoldo Calvo-Sotelo, Joseph Tarradellas, Adolfo Suárez, Rodolfo Martín Villa, Felipe González, Enrique Tierno Galván, José Maria Aznar, Santiago Carrillo; dos costureiros Manuel Pertegaz, Jesús del Pozo; dos músicos Andrés Segovia, Joaquin Rodrigo; do escultor Eduardo Chillida; da fotógrafa Ouka Leele…
Nesta entrevista exclusiva, concedida em Madri, Robert Royal (Alabama, Estados Unidos, 1940), afirma: «Vi como uma câmera me abriu todas as portas».

Quem é Robert Royal? ―Um imigrante.
(risos) Com ou sem nacionalidade? ―Com nacionalidade espanhola há mais de 20 anos.
Gostaria de falar um pouco mais sobre quem é você? ―Também sou um refugiado. Sai dos EUA logo depois de terminar meus estudos universitários em Literatura Inglesa e Arte Dramática. Naquela época, o país estava em chamas. Era quase como em estado de guerra. Nas ruas das cidades tinha muita agitação por causa da guerra do Vietnam (1955-1975), da luta pelos direitos civis. Mas eu deixei para trás os EUA pela curiosidade de conhecer mundo.
E ainda não tinha sido assassinado o presidente John F. Kennedy, em novembro de 1963. ―Sim. Quando ele foi assassinado eu já estava em Madri. Fiquei sabendo da notícia por uma turista que tinha um radinho de pilha, no restaurante Botín, de Madri. Entretanto, quando mataram o seu irmão, Robert Kennedy, em junho de 1968, eu estava em Los Angeles, trabalhando na montagem de um filme, num lugar perto de onde ele foi abatido. Em Los Angeles sempre existiu distúrbios de rua. Foi neste momento que decidi retornar a Espanha. Tomei esta decisão porque o meu trabalho naquela época era de viajar, conhecer mundo, e isto continua sendo parte do meu trabalho, mesmo que eu esteja meio aposentado. Em 2016 estive na Guiné Equatorial montando minha exposição ―Três Continentes, um Fotógrafo―, no Centro Cultural da Espanha, em Malabo. Na exposição de agora mostro uma imagem dos reis da Espanha, dom Juan Carlos I e dona Sofia, durante uma visita oficial realizada na Guiné Equatorial, em 1979.

Como foi sua infância em Alabama? ―Perfeita, sob o sonho americano do pós-guerra. O único que lembro é o meu irmão, meu tio e meu cunhado de uniforme militar. Naquela época eu devia ter três ou quatro anos.
Essa imagem infantil impacta. ―Sim. Lembro também que em cada casa tinha uma estrela. Se uma família tivesse um membro familiar na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) colocava-se uma estrela na porta ou na janela ou no jardim, em qualquer lugar externo da casa. A única diferença era que se o familiar estava vivo, a estrela era branca, com fundo vermelho e, se estivesse morto, a estrela era branca com fundo preto. Assim, era uma imagem muito triste.
Puta que pariu! ―Sim. Porque assim se deixava de luto toda a família. E os conhecidos também. Todos, sem distinção. Seja como for, o EUA ganhou esta guerra por sua habilidade para fabricar uma grande quantidade de armas diariamente. A maior surpresa dos alemães e japoneses foi constatar a quantidade de armas que podiam sair do EUA com destino à Europa. Estavam fabricando diariamente três barcos de armas de guerra.
O poeta alemão Rainer Maria Rilke disse: «A infância é a pátria da vida». É assim? ―Não compreendo o que ele quer dizer. Mas eu passei uma infância idílica no berço de uma família idílica. No Alabama quase sempre faz bom tempo. Andava descalço. (Gosto de dizer isso consciente de que isso não é verdade). Não usei sapatos até os oito anos. (risos). Minha mãe me colocava os sapatos quando eu ia para a escola. Quando saía de casa… Adeus… calçado. Passava todo o verão descalço.

Como foi sua adolescência? ―Também feliz. O EUA atravessava um período de bonança econômica. Quase todo mundo, pelo menos meus parentes, vizinhos e amigos, tinham um trabalho estável. Tinha paz e tranquilidade. Porém, a partir do momento em que o país entrou na guerra do Vietnam e começou a luta pelos direitos civis, as coisas começaram a mudar radicalmente. Isso ocasionava muita amargura. Foi um mau período do qual a nação ainda não se recuperou. Além disso, EUA continua em guerra. Quando não estão matando alguns negros, estão matando a outros. Desculpa se te digo isso, mas é horroroso o que fazem com os negros, com os iraquianos…
(silêncio) Quando e por que decidiu viajar a Espanha? ―Foi em 1963. Eu estava estudando teatro no Berghof Studio, em Nova Iorque, que era a antessala para entrar no clássico Actors Studio. Minha professora de teatro era Irene Dailey, irmã do dançarino e ator Dan Dailey. Ela estava nos ensinando o método interpretativo Stanislavski, idealizado pelo russo Konstantín Stanislavski. Alguns dos exercícios que tínhamos que realizar era ir às audições, que era a parte mais importante da nossa preparação para ser ator. Um dia estava falando com uns amigos durante uma audição e disse que aqui não me davam nenhum trabalho. Neste momento, um deles me perguntou: você sabe cavalgar? Na Espanha tem muito trabalho de extra de cowboy nas produções cinematográficas. Lá estão rodando muitos filmes.
(risos) Então quer dizer que você veio para a Espanha para ser cowboy? ―Sim. Trabalhei em Huesca, em Almeria… Inclusive aqui em Madri. Em Hoyo del Manzanares existia um set de filmagem onde não tinha nenhum poste de luz a quilômetros e quilômetros de distância. Rodaram muitos filmes neste lugar. Ali fiz A queda do Império Romano (1964), direção de Antony Mann, estrelado por Sofia Loren, Chistopher Plummer, James Mason y Stephen Boyd. Até cheguei a falar em algumas cenas de alguns filmes. Acho que o extra que mais interpretei na minha vida foi o de cowboy.

(risos) Come cowboy, come. (Vamos, vaqueiro, vamos). ―(risos) Como se diz isso em espanhol?
A por ellos, vaquero (Vamos vaqueiro, acabe com eles). ―Exato. Hoje em dia alguns daqueles sets cinematográficos são considerados como clássicos. Neste momento os italianos estão recuperando, restaurando e remasterizando muitos daqueles filmes realizados aqui na Espanha.

Quando você descobriu o jornalismo e a fotografia? ―Temos que seguir uma história. No meu caso, a minha irmã era a fotógrafa familiar. Sempre gostei disto. Logo, quando estava na universidade pública, tinha que fazer o serviço militar. Ia às aulas diariamente e, nos fins de semana, às práticas militares. Era uma espécie de preparação para se tornar oficial, que se institui com a ideia de que quando terminasse a universidade poderia passar cinco anos como oficial do exército ou dois anos como soldado. Não gostava nada deste caminho.
E disse: tenho que encontrar um atalho. ―Sim. Considerava um retrocesso ter que aprender a marcar passo, atirar… De alguma maneira consegui um trabalho diferente dentro da instituição militar. Acho que foi porque causei uma boa impressão ao comandante militar. Tirava fotografias das cerimônias militares, dirigia seu carro. (risos). Foi assim que passei a maior parte do tempo do meu serviço militar: tirando fotos porque sempre tinha algum acontecimento importante para fotografar. Por coincidência, o chefe do departamento de teatro da universidade também estava fazendo o serviço militar ali e precisava de fotografias dos espetáculos que montava e também dos atores. Consequentemente, era eu quem tinha que realizar este trabalho. Continuei realizando este tipo trabalho quando estudava em Nova Iorque. Fazia os books dos atores. Gostava desta coisa de transformar uma pessoa normal e corrente em um personagem. Era um dom. Nunca pensei que um dia fosse ser fotógrafo profissional. Era somente um trabalho para ganhar uns dólares.
Sem grandes pretensões… ―Sim, mas tudo com muita alegria. Em Almeria era possível encontrar-se com muitos atores: Brigitte Bardot, Michael Redgrave, sua filha Vanessa Redgrave, e outros. Aqui eu também captava instantâneos. Naquela época filmaram num lugar chamado Mar de Castilha, entre Guadalajara e Cuenca, o filme As troianas (1971), um filme de Michael Cacoyannis com Vanessa Redgrave, Katherine Hepburn, Irene Papas y Geneviève Bujold. Era possível encontrar diariamente quase todos os grandes atores bem à vontade. Como eu era extra, levava a câmera ali os fotografava sem problemas. Hoje em dia com certeza não se pode fazer isso.
Impensável. ―Os instantâneos que eu captava no eram da filmagem e sim das estrelas descansando, almoçando, jantando etc. Fiz muitas fotos de Sean Connery, que vinha muito a Espanha filmar. Foi neste momento que comecei a vender as fotos para uma agência na Inglaterra. Vendia por um bom preço. Fotos de atores de Hollywood, franceses, italianos, ingleses que trabalhavam na Espanha. Foi assim como começou a minha carreira de fotógrafo profissional.
Algum dia já pensou para que serve as fotografias que faz? ―Neste caso para entreter. As últimas fotojornalísticas que fiz são as que estão nesta exposição. São as da proclamação do rei Felipe VI.
Uma revelação oportuna. ―Acho que fui eu quem fez a primeira foto reportagem internacional sobre o rei Juan Carlos I. Logicamente, em Palma de Maiorca, nas regatas, durante a Copa América, quando ele era príncipe. Eu estava na ilha fazendo uma série de reportagens sobre moda de rua e, coincidentemente, ele também estava por lá. Devia ter uns 26 anos. Todos lhe chamavam Johnny. Estava tranquilo. Penso que nem ele imaginava que um dia seria rei da Espanha.

Outra revelação. ―Um dos instantâneos que eu mais me gosto desta exposição, e entre os que captei durante toda a minha vida, é a Joseph Tarradellas, acompanhado por Adolfo Suárez e Rodolfo Martín Villa, quando ele foi proclamado governador da Catalunha, após 23 anos no exílio. Notava-se uma comunicação fluída, cordial… Pode-se dizer que naqueles momentos existia entre o governo de Madri e da Catalunha uma relação calorosa que atualmente já não existe.
Vale uma foto mais que mil palavras? ―Não. Uma fotografia vale por si só. As mil palavras valem por suas mil palavras.
O que sentiu quando começou a organizar a exposição Robert Royal. Fotografias espanholas. 1967-2014. Momentos e personagens que marcaram a vida de um correspondente gráfico na Espanha. ―Quando faço uma fotografia é quando já sei que algum a exibirei. Quando vejo, digo: esta fotografia pode fazer parte de uma exposição. O que estou contando com a exposição de agora é mais ou menos a minha experiência profissional na Espanha. Ela está dedicada a todos os grandes jornalistas que trabalharam comigo durante este período.
Li no diário espanhol El País que você tem 15 mil negativos guardados. Estão todos catalogados? ―Estou catalogando. Mas a cifra de 15 mil negativos é uma aproximação. Podem ser 20 mil ou mais. Tenho em casa três armários cheios de negativos.
O que pensa da imprensa espanhola? ―Em que sentido? Eu leio o El País quase todos os dias.
No sentido de que são todos partidários. ―Mas em quase todo o mundo se associa um meio de comunicação com uma classe de gente ou de políticos. Ou seja, sempre está associado com ideais. Não vejo por nenhuma parte uma imprensa neutra, tampouco na Espanha. O que mais me atrai é a imprensa mais liberal, mais democrática. As notícias e os documentários é a única coisa que assisto atualmente na TV. Considero que o pior meio de comunicação da Espanha é a TV. Enquanto que sobre as televisões americanas é melhor nem falar. São horrorosas.

Um evento favorito. ―Foi fazer a cobertura da assinatura do tratado de incorporação da Espanha a Comunidade Econômica Europeia, realizada pelo primeiro-ministro Felipe González, em 12 de junho de 1985, no Salão de Colunas do Palácio Real de Madri. Sua majestade e muitos líderes europeus estiveram ali presente. Foi um evento espetacular. À medida que os líderes passavam pela mesa para ir assinando o tratado respirava-se um sentimento tremendo de paz e unidade.
O que pensa das guerras? ―Somos responsáveis delas. Somos nós que as deflagramos. É terrível.
Você viveu sob as presidências de John Kennedy, Richard Nixon, Jimmy Carter, George Bush (Pai), George Bush (Junior), Bill Clinton, Barack Obama e, agora, Donald Trump. O que pensa deles? ―Prefiro não pensar. No entanto, o único presidente que realmente gostei é Dwight D. Eisenhower, presidente de EUA de 1953 a 1961. Também gostei de Carter, presidente de 1977 a 1981.
E o Obama? ―Fez muitas coisas boas que Trump se dedica a criticar. Trump ainda não fez nada por si mesmo. Dedica-se em aniquilar aquilo que já estava feito, numa clara atitude de vendetta.
América first! ―É preciso ler América first na entrelinha. É Trump e os Meus primeiro. Trump é um mentiroso egocêntrico que funciona ao límite da ilegalidade. Cedo ou tarde ele vai cair em desgraça por seu comportamento e levará consigo a toda sua família. Suas ações e péssima administração já fizeram grandes estragos aos EUA. ●

Nota do autor: Assista aqui a um vídeo informativo, em inglês, com subtítulo em espanhol, realizado por Adeline Royal sobre a exposição Robert Royal. Fotografias espanholas. 1967-2014. Momentos e personagens que marcaram a vida de um correspondente gráfico na Espanha. ●